A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO DO PROFESSOR
Luckesi se propõe a explicitar alguns dos elementos do senso comum pedagógico, a partir da prática pedagógica dos profissionais da educação, ou seja, ele entende que, partindo da prática pedagógica cotidiana em nossos contextos escolares, podemos inventariar os valores, sentidos e significados que norteiam o seu ato educativo. Ele propõe este passo como o primeiro no esforço de filosofar a prática docente.
· Os sujeitos do processo educativo (segundo o senso comum pedagógico)
O educador
Para ser professor no sistema de ensino escolar, basta tomar um certo conteúdo, preparar-se para apresentá-lo ou dirigir o seu estudo; ir para uma sala de aula, tomar conta de uma turma de alunos e efetivar o ritual da docência: apresentação de conteúdos, controle dos alunos, avaliação da aprendizagem, disciplinamento, etc.
Se não buscarmos o sentido e o significado crítico, consciente e explícito da ação docente, seguimos o sentido e o significado dominante desse entendimento que se tornou senso comum.
Existem profissionais de áreas diversificadas que estão na regência escolar e que não tiveram nenhuma formação para tal. Não que não possam ser bons profissionais de educação, mas o que é importante ressaltar é que não se busca um senso crítico do papel do educador no processo educativo; não se exige do educador uma preparação adequada para o exercício da docência, tanto do ponto de vista do compromisso político, quanto do ponto de vista da competência técnica e científica, que ela exige.
O educador segue um ritual que se tornou senso comum.
O educando
Há algumas perguntas que o educador raramente se faz:
- Como eu concebo o educando?
- O educando é um dos sujeitos do processo educativo?
- Quem é ele?
- Qual a sua dimensão?
- Qual o seu papel no processo ensino-aprendizagem?
Uma das características do educando que permeia a prática pedagógica é a de que ele é um ser passivo, ou melhor, não que ele seja propriamente passivo, mas, segundo o senso comum, deve sê-lo. Em contrapartida, segundo o senso comum também o educando deve ser ativo sempre. É preciso ter cuidado para criticar o senso comum no que se refere à passividade ou à atividade do educando, pois isso dependerá da situação de aprendizagem.
Uma segunda crença é a de que o educando é um ser dependente do educador: desde o que deve aprender até o que deve responder. Será que é mesmo?
Uma terceira forma do senso comum pedagógico é a de considerar o educando como um ser incapaz de criar, o que é paradoxal, pois são constantes as reclamações de que os alunos não são criativos, e as estratégias para delimitar o campo de ação do aluno baseiam-se no lema “fazer as coisas como o professor quer”.
Uma quarta característica é a de que o educando é um sujeito incapaz de julgamento sobre si mesmo e sobre sua aprendizagem. No momento da avaliação, na maior parte das vezes, o professor nem sequer dá ao educando a oportunidade de verificar o que não conseguiu aprender e nem por que não conseguiu aprender.
Uma quinta característica que, talvez, seja a raiz de todas as outras é a forma de considerar o educando como um elemento isolado de tudo o mais que o cerca. Ou seja, o educando é tomado de uma forma idealista, e não como ele é.
Pode-se inventariar muitas outras características do senso comum sobre o educando.
Há uma contradição entre essas condutas educacionais e aquilo que os educadores dizem. Eles desejam educandos ativos, criativos, autônomos, capazes de decisão, etc, mas suas ações educativas mostram o contrário - é uma dupla linguagem.
Para chegar a uma nova compreensão do educando é preciso tomar consciência desses elementos do senso comum e superá-los.
É importante salientar duas observações de Luckesi: uma é em relação ao “Material didático” (como é visto pelo senso comum) - o livro didático tem sido assumido como uma “bíblia”, ou seja, como um livro sagrado (como um fetiche): tudo o que está escrito nele se assume como verdade. E ele pergunta: Deve ser essa
A outra observação é quanto aos “Métodos e procedimentos de ensino” (também do ponto de vista do senso comum). ele diz que se tomarmos um conjunto de planejamentos de ensino de diversos professores veremos que no item denominado “métodos de ensino” ou “atividade de ensino” invariavelmente está escrito: aula expositiva, dinâmica de grupo, trabalho dirigido, questionamento oral, etc. Generalidades!
Essas indicações não decorrem da reflexão teórica, objetiva, consciente, mas sim da presença do senso comum também no referente às questões metodológicas do ensino.
Os planejamentos são realizados de forma obrigatória e executados como se fosse um preenchimento de formulário. O mais grave é que como os conteúdos já estão explícitos e ordenados nos livros didáticos, é por aí que os professores começam a planejar, quando, de fato, o planejamento exige o contrário: em primeiro lugar, o estabelecimento de objetivos e, depois, encontrar os conteúdos que os operacionalizem. O planejamento seria o momento decisivo sobre o que fazer, um momento de definição política e científica da ação pedagógica, no caso da educação, e só pode ser feito com senso crítico.
Luckesi não tece nenhum comentário sobre a imposição dos currículos mínimos. No terceiro grau o que ocorre é que para que um curso de graduação receba a permissão para funcionar do órgão competente (hoje é o CNE - Conselho Nacional de Educação), seus responsáveis devem preparar o projeto completo do curso, o que implica em vários itens, entre eles o rol de disciplinas com os respectivos conteúdos, que devem corresponder, no mínimo, ao currículo mínimo imposto.
Nosso esforço, ao preparar professores universitários, tem caminhado nessa direção proposta por Luckesi, mas uma das maiores dificuldades é conscientizar nossos alunos - professores e futuros professores - da importância primeira da formulação dos objetivos.
Tendo em vista que ultimamente muito se tem escrito e falado sobre os desvios e inverdades expressos nos conteúdos escolares, Luckesi aponta para o risco de se tomar uma posição oposta e ingênua: a de que não vale a pena ensinar conteúdo algum e deixar que os alunos reflitam sobre o seu dia-a-dia, para que “tomem consciência “ dele. Com isso, praticamente, passou-se a não ensinar nada.
Luckesi então pergunta: Que crítica é essa que destrói tudo? Onde está a dialética que supera a posição anterior por sua incorporação crítica? E afirma que essa é mais uma atitude de senso comum pedagógico. O importante é recuperar o sentido adequado dos conteúdos escolares e passar
Se o “senso comum é uma configuração espontânea, fragmentária e acrítica do pensamento e do entendimento, e não é a melhor e nem a mais adequada forma de compreensão da realidade”, por que, então, continua norteando a prática pedagógica?
Luckesi afirma que os poderes constituídos, que representam os interesses do segmento dominante da sociedade e o próprio segmento dominante, não desejam, de forma alguma, alimentar elementos de contradição. O senso comum interessa (e muito) à situação conservadora da sociedade em que vivemos, pois ele não possibilita o surgimento da “massa crítica” de seres humanos pensantes e ativos na sociedade.
Aliás, há muito tempo a manutenção do senso comum contraria as várias leis de diretrizes e bases da educação nacional e mesmo as constituições.
Luckesi parte, então, para a ressignificação do educador e do educando, procurando situá-los como “Sujeitos da práxis pedagógica”.
· Os sujeitos do processo educativo (segundo a práxis pedagógica)
O educador
Ele é um ser humano e, como tal, é construtor de si mesmo e da história através da ação; é determinado pelas condições e circunstâncias que o envolvem. É criador e criatura ao mesmo tempo. Sofre as influências do meio em que vive e com elas se autoconstrói. Além disso, ele tem um papel específico na relação pedagógica, que é o de docente.
O docente/educador, na práxis pedagógica, é aquele que, tendo adquirido o nível de cultura necessário para o desempenho de sua atividade, dá direção ao ensino e à aprendizagem; assume o papel de mediador entre a cultura elaborada, acumulada e em processo de acumulação pela humanidade, e o educando; fará a mediação entre o coletivo da sociedade (os resultados da cultura) e o individual do aluno.
Para tanto, o educador deve possuir algumas qualidades, tais como: compreensão da realidade com a qual trabalha, comprometimento político, competência no campo teórico de conhecimento em que atua e competência técnico-profissional:
· Compreensão da realidade na qual atua - este educador não pode ser ingênuo quanto à realidade na qual vive e trabalha, senão sua atividade profissional reproduzirá a sociedade via o senso comum hegemônico.
· Comprometimento político - explícito ao menos para si mesmo, se não quiser torná-lo público. O educador que não possui posicionamento político assume o posicionamento dominante dentro da sociedade. O educador aqui só tem duas opções: ou quer a permanência desta sociedade, com todas as suas desigualdades, ou trabalha para que a sociedade se modifique.
· Competência no campo teórico de conhecimento em que atua - não são suficientes os conhecimentos adquiridos nos livros didáticos, é preciso se aprofundar e pesquisar muito.
· Competência técnico-profissional - ensinar é uma forma técnica de possibilitar aos alunos a apropriação da cultura elaborada da melhor e mais eficaz forma possível. Para tanto, será necessário deter recursos técnicos e habilidades de comunicação e habilidades na utilização e aplicação de procedimentos de ensino.
Luckesi aponta ainda que esses elementos todos se completam com uma habilidade que denominamos “arte de ensinar”. É preciso desejar ensinar,é preciso querer ensinar. É preciso ter paixão nessa atividade, paixão que se manifeste, ao mesmo tempo, de forma afetiva e política. O processo educativo exige envolvimento afetivo. Daí vem a “arte de ensinar”, que nada mais é que um desejo permanente de trabalhar, das mais variadas e adequadas formas, para a elevação cultural dos educandos. Ele cita Gramsci a esse respeito, quando lembra que os intelectuais, na maior parte das vezes, esquecem-se do sentimento em suas atividades.
E eu acrescentaria, de acordo com Gurdjieff, que eles se esquecem também dos instintos e do corpo, em suas atividades.
Em síntese, para exercer
O educando
É um membro da sociedade tendo caracteres de atividade, socialidade, historicidade, praticidade. Ele também é caracterizado pelas múltiplas determinações da realidade, ou seja, é um sujeito ativo que, pela ação, ao mesmo tempo se constrói e se aliena.
Na práxis pedagógica é o sujeito que busca adquirir um novo patamar de conhecimentos, de habilidades e modos de agir. É para isso que busca a escola.
É então “sujeito”, capaz de construir-se a si mesmo, através da atividade, desenvolvendo seus sentidos, entendimentos, inteligência, etc. São as experiências e os desafios externos que possibilitam ao ser humano, através da ação, o crescimento, o amadurecimento.
O educando é um sujeito que necessita da mediação do educador para reformular sua cultura, para tomar em suas próprias mãos a cultura espontânea que possui, para reorganizá-la com a apropriação da cultura elaborada.
O educando, então, nem possui todo o saber, nem é pura ignorância. Ele detém uma cultura que adquiriu espontaneamente no seu dia-a-dia. A não-apropriação da cultura elaborada faz com que os sujeitos humanos permaneçam profundamente carentes de entendimento e consciência.
Luckesi dá um exemplo do que ocorre quando da não-apropriação da cultura elaborada: Entender de construção e uso de arco e flecha é muito interessante, porém insuficiente na luta contra quem possui arma de fogo. Foi exatamente isso que possibilitou que portugueses e espanhóis dizimassem os indígenas das Américas do Sul e Central.
A relação educador-educando
Partindo do educador e do educando como seres humanos e como sujeitos da práxis pedagógica, temos que
O educador deverá criar oportunidades de aprendizagem ativas, de tal modo que o educando desenvolva suas capacidades cognoscitivas assim como suas convicções afetivas, morais, sociais e políticas.
O educador, como sujeito direcionador da práxis pedagógica escolar, deverá também acompanhar os resultados das ciências pedagógicas, da didática e das metodologias específicas de cada disciplina. Quanto ao planejamento, à execução e à avaliação do ensino, deverão ocorrer dentro de um espírito crítico.
Finalmente, se o objetivo é produzir uma ação docente - discente de forma crítica, há que se ter em mente que os sujeitos da práxis pedagógica não estão dados definitivamente, mas devem ser constantemente repensados e recompreendidos.
(Extraído do livro Filosofia da Educação, de Cipriano Carlos Luckesi, São Paulo, Cortez, 1990. Elaborado pela Profa. Dra. Liriam Luri Y. Yanaze)
3 comentários:
EXCELENTE!
Muito boa a informação.Estou grato.
Ótima informação, obrigado
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